10/10/2025
Pioneiro no mercado de tecnologia, empresário fundou empresa que leva seu sobrenome e contabiliza mais de 38 mil colaboradores e mil clientes ativos
Um dos pioneiros do mercado de tecnologia brasileiro, Marco Stefanini esteve à frente de alguns dos principais movimentos que marcaram o setor ao longo das últimas décadas. Entre crises econômicas, novos hábitos de consumidores e mudanças no tabuleiro geopolítico mundial, ele transformou a empresa que leva seu nome em um ecossistema de inovação presente em 41 países.
Fundada em 1987, a Stefanini contabiliza mais de 38 mil colaboradores e mil clientes ativos. No ano passado, o faturamento global foi de aproximadamente R$ 8 bilhões. Após consolidar um portfólio que reúne soluções de digitalização de processos, cibersegurança, gestão de dados, finanças, marketing, operações e manufatura, o empreendedor anunciou recentemente um posicionamento AI First em todas as frentes do grupo.
Impulsionada pelo crescimento exponencial das plataformas generativas, a estratégia tem como base a incorporação da inteligência artificial (IA) como um pilar transversal da cultura e da operação da companhia.
Em entrevista a Pequenas Empresas & Grandes Negócios, ele revela os detalhes desse novo capítulo.
Você tem uma das mais longevas e bem-sucedidas trajetórias do mercado de tecnologia brasileiro. Qual é o balanço que faz dessas quase quatro décadas de atuação com a Stefanini?
Ao longo da nossa história, a Stefanini passou por todo tipo de crise econômica, cenário geopolítico e ciclo tecnológico. Isso fez com que precisássemos desenvolver um nível de resiliência muito alto para sobreviver em meio a tantas incertezas e mudanças. Quando comecei, o mercado era baseado naqueles grandes mainframes [computadores centrais de grande porte] e terminais com monitores de fósforo verde. Depois vieram os microcomputadores, os sistemas de gestão, a internet e por aí vai… Aprendemos a navegar entre todas as revoluções que levaram ao cenário de transformação digital e inteligência artificial que estamos vivendo hoje.
Muitas empresas ficaram para trás durante esse período. O que fez a diferença para vocês?
Pode parecer meio simplista, mas tudo começa pela mentalidade de olhar o copo meio cheio e sempre buscar oportunidades nos grandes problemas. É aquela história: onde existe ameaça existe oportunidade. Claro que é necessário ter cuidado com o lado financeiro. Em especial no Brasil, onde o aspecto fiscal, tributário e burocrático é particularmente complexo. O custo do dinheiro é altíssimo. Isso se reflete diretamente no alto nível de mortalidade das pequenas e médias empresas e na criação de novos negócios. Aqui, as dificuldades para quem está começando a empreemder são muito maiores do que em outros lugares do mundo.
Mas aprendemos a trabalhar nesse ambiente, conectando os desafios do mercado local com as tecnologias que impactavam a vida das pessoas. Descobrimos muito cedo que precisávamos nos antecipar aos grandes ciclos de mudança. Isso foi essencial para estabelecer uma vantagem competitiva no cenário atual. Fomos pioneiros nos movimentos de transformação digital. No caso da IA, já estávamos trabalhando, investindo e desenvolvendo tecnologias há muitos anos. Obviamente, a chegada do ChatGPT e das outras plataformas generativas mudou tudo. Mas estávamos prontos para atuar nesse novo panorama tecnológico quando ele começou a se intensificar.
Diferentemente de muitos empreendedores de sua geração, você conseguiu consolidar uma presença global relevante. Na sua opinião, por que as empresas brasileiras têm essa dificuldade histórica de internacionalização?
Existe uma crença de que empresários brasileiros não vão para fora porque o mercado local é muito grande. Essa é uma verdade parcial. Temos um público interno enorme. Mas estamos falando de uma fração mínima da economia global. Muitas vezes, acho que falta essa visão mais abrangente para nossos empreendedores. Além disso, somos consumidos por inúmeros problemas, como insegurança jurídica, juros altos e complexidade regulatória. Isso gera muita distração para quem planeja levar a operação para outros países. Mas acredito que isso está mudando. O digital tem aberto novas possibilidades para os mais diversos perfis. Vejo uma geração de profissionais que já está chegando ao mercado com uma visão de negócios global. Eles entendem que o mundo é muito maior que o Brasil. Isso é algo muito bacana de acompanhar.
A Stefanini anunciou recentemente um posicionamento AI First, que prevê o uso da inteligência artificial como um pilar transversal de todas as operações da companhia. O que definiu essa virada de chave e como essa estratégia vem sendo implantada?
O mercado de tecnologia foi marcado por uma série de mudanças nos últimos anos. Algumas, como o Metaverso, não se mostraram tão consistentes. Mas, no caso da IA, estamos falando de algo que veio para ficar. Obviamente, existem excessos, mas isso faz parte do jogo. Por isso, em janeiro de 2023, adotamos esse novo posicionamento.
O primeiro passo foi convencer uma equipe de mais de 35 mil colaboradores de que esse era o caminho certo. Foi um trabalho hercúleo, que teve como ponto de partida uma fase de experimentação, na qual liberamos as ferramentas para as pessoas usarem dentro de um ambiente controlado.
No ano seguinte, passamos a incorporar as tecnologias de maneira mais efetiva em nossos projetos. Agora estamos na etapa de adoção massiva. Porque uma coisa é você usar a tecnologia em iniciativas pontuais. Outra é adotar as soluções para fazer a diferença em operações de grande escala. Não tenho dúvidas que o futuro passará pela inteligência artificial. Independentemente do tamanho do negócio, é preciso prestar atenção nesse movimento. Estamos diante de algo que muda as regras do jogo.
Quais são os principais desafios que esse cenário apresenta para pequenas e médias empresas?
Mais do que nunca, o empreendedor vai precisar se manter inquieto e sair de sua zona de conforto. Caso contrário, existe um grande risco de ser tragado por uma nova realidade que ele não está enxergando. Ao mesmo tempo, a inteligência artificial oferece a possibilidade de explorar caminhos que antes não eram possíveis. Esse tipo de dilema é inerente às grandes transformações tecnológicas. Mas, no caso da IA, estamos falando de um tipo de impacto muito mais abrangente. O que está acontecendo não é apenas um movimento de tecnologia, mas uma nova realidade de negócios revelada pela tecnologia. Os efeitos serão sentidos por todos.
Como você avalia o nível de maturidade do mercado para lidar com essa nova realidade?
A maioria das empresas ainda está no estágio inicial de experimentação. Isso não é necessariamente ruim. O maior problema é que vejo poucos negócios preparados para dar os próximos passos. Como falei, acho que depende muito da mentalidade das lideranças e dos empreendedores. Você pode morrer de medo, tentar se proteger ou até mesmo não acreditar no potencial da inteligência artificial. Ou você pode começar a aplicar a tecnologia para transformar o seu negócio. Mas é fundamental que esse uso seja direcionado por uma abordagem adequada. É preciso ser o mais intencional e estratégico possível. Pensar em como a IA pode gerar valor para o seu negócio e nos problemas que a tecnologia pode resolver com mais precisão e agilidade.
Essa transformação também envolve a formação de novas habilidades. Acredita que conseguiremos desenvolver essas competências na mesma velocidade da tecnologia? Ou veremos muitas pessoas e empresas ficando para trás?
Acredito nas duas coisas. É possível desenvolver essas competências a tempo. E, sim, muitos negócios ficarão para trás. Nesse contexto, acredito que as pequenas e médias empresas têm uma vantagem competitiva significativa. Elas conseguem adaptar sua estratégia de maneiras muito mais ágeis do que grandes corporações. Isso permitirá que muitos empreendedores saiam na frente. Em especial aqueles que entrarem nesse universo de maneira estruturada. No final das contas, é o mindset que faz a diferença. A liderança da empresa deve assumir as rédeas desse compromisso. Não adianta tentar delegar essa missão para a área de tecnologia e achar que os resultados vão chegar naturalmente.
Existem muitas preocupações em relação às questões de governança e segurança de dados. Qual é o tamanho desse desafio hoje?
Todas essas são discussões fundamentais. Mas acho que a questão central, principalmente para as PMEs, deveria ser sobre como podemos aproveitar as oportunidades que estão à nossa frente. Precisamos tomar cuidado para que os debates sobre compliance e governança não se sobreponham às possibilidades de inovação e crescimento reveladas pela IA. Reforço que isso não reduz a importância dessas questões mais estruturais. Mas o discurso deve ser mais equilibrado. Vejo muito mais debates sobre marcos regulatórios do que sobre como a inteligência artificial poderia melhorar a educação no país, por exemplo.
A falta de talentos qualificados é um dos principais gargalos apontados para desenvolver essa nova economia sobre a qual estamos falando. Como analisa essa questão?
Para mim, esse talvez seja o maior problema do mercado brasileiro. Além de limitar a competitividade, trata-se de um fator que está ligado à desigualdade social que existe no país. Esse cenário é ainda mais preocupante em uma economia global cada vez mais orientada pela valorização do capital intelectual. Infelizmente, trata-se de um assunto que ainda não é discutido com a urgência ou a complexidade necessária para mudar esse cenário.
Como você vem desenvolvendo essas novas habilidades e incorporando o uso de ferramentas de IA no seu dia a dia?
Procuro usar a tecnologia de maneira que gere algum valor concreto na minha vida, tanto no lado pessoal como no profissional. Não basta fazer um monte de perguntas aleatórias para o ChatGPT e ver o que ele traz de volta. Estou sempre buscando fazer interações que levem a ações concretas, que tenham relação com o negócio ou que gerem algum tipo de valor para mim, para os meus clientes e para a sociedade.
E no âmbito geral? Como vem mantendo o seu radar de tendências calibrado para acompanhar os próximos movimentos de inovação?
De maneira geral, prefiro ser pragmático e focar naquilo que gera valor concreto. Mas acho que esse tipo de visão estratégica está diretamente ligada a um tipo de resiliência brutal para lidar com cenários de mudança. Isso é crucial no mercado de tecnologia. No final das contas, o segredo está no nível de determinação que cada pessoa tem para tentar enxergar e ir atrás de novas oportunidades a todo momento. Estou com 74 anos e trabalho até 14 horas por dia. Estou fazendo essa entrevista durante as minhas férias. Antes da nossa conversa, eu estava em reunião. E não tem drama nisso. A vida é assim. Em vez de considerar que já cruzei a linha de chegada, prefiro pensar que estou sempre no início de uma corrida.
Como essa mentalidade se relaciona com os planos de sucessão da companhia?
Todo mundo tem o seu ciclo. No meu caso, tenho a felicidade de contar com grandes lideranças à frente de todas as unidades de negócio da empresa. Costumamos brincar que a Stefanini é uma grande construtora de CEOs. Sempre trabalhamos para ter uma cultura que proporcionasse o máximo possível de autonomia para as pessoas. Nossos quadros foram muito bem estruturados. Isso tem facilitado bastante esse processo de transição. Atualmente, consigo atuar mais como um advisor [conselheiro] do que como um executor. Não comando mais nenhuma unidade da Stefanini no detalhe da operação. Todas as áreas já têm suas lideranças consolidadas.
A partir dessa posição, qual é o legado que gostaria de deixar com a Stefanini? O que enxerga para o futuro da empresa?
Nosso primeiro grande desafio é continuar adaptando a empresa a essa nova onda tecnológica. Também estamos intensificando o trabalho de marca para fortalecer ainda mais a nossa imagem, na mesma proporção do valor que entregamos para nossos clientes. O posicionamento AI First tem sido essencial para conectar essas jornadas.
Como legado, acho que já conseguimos mostrar que o Brasil pode ter um espaço muito importante no mercado global de tecnologia. Gostaria que isso continuasse a inspirar e a preparar as próximas gerações de empreendedores a desenvolverem negócios para o mundo. Sempre tive como propósito criar soluções que tornassem o mundo melhor. A tecnologia está mais presente do que nunca em nossas vidas. Usar esse potencial para gerar valor e melhorar a vida das pessoas é algo que não tem preço.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios
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